quinta-feira, 1 de março de 2018

Carta Placuit Deo aos Bispos da Igreja Católica

sobre alguns aspectos da salvação cristã
Foi publicada nesta quinta-feira pelo Vaticano a Carta Apostólica da Congregação para a Doutrina da Fé Placuit Deo aos Bispos da Igreja Católica sobre alguns aspectos da salvação cristã. O documento é assinado por Dom Luis Francisco Ladaria Ferrer e por Dom Giacomo Morandi, respectivamente prefeito e secretário do Dicastério.
Dom Luis Francisco Ladaria Ferrer 

Cidade do Vaticano - A Carta pretende destacar, na linha da grande tradição da fé e com especial referência ao ensinamento de Papa Francisco, alguns aspectos da salvação cristã que possam ser hoje difíceis de compreender por causa das recentes transformações culturais.
O Texto é dividido em 4 partes com uma introdução e uma conclusão.
Depois da introdução o segundo ponto fala do Impacto das transformações culturais de hoje sobre o significado da Salvação cristã.
O mundo contemporâneo questiona, não sem dificuldade, a confissão da fé cristã, que proclama Jesus o único Salvador de todo o homem e da humanidade inteira. A carta busca combater duas tendências que estão crescendo muito em nosso tempo, como falou Papa Francisco em seu discurso em Florença em novembro de 2015.
“Prolifera em nossos tempos um neo-pelagianismo em que o homem, radicalmente autônomo, pretende salvar-se a si mesmo sem reconhecer que ele depende, no mais profundo do seu ser, de Deus e dos outros.”
Já um certo neo-gnosticismo, por outro lado, apresenta uma salvação meramente interior, fechada no subjetivismo. Essa consiste no elevar-se “com o intelecto para além da carne de Jesus rumo aos mistérios da divindade desconhecida”. O texto reafirma que, a salvação consiste na nossa união com Cristo, que, com a sua Encarnação, vida, morte e ressurreição, gerou uma nova ordem de relações com o Pai e entre os homens.
A tentação do gnosticismo – recordava o Papa Francisco em Florença – “leva a confiar no raciocínio lógico e claro, o qual porém perde a ternura da carne do irmão. O fascínio da gnosticismo é o de “uma fé fechada no subjetivismo, onde interessa unicamente uma determinada experiência ou uma série de raciocínios e conhecimentos que se acredita podem confortar e iluminar, mas onde o objeto em definitiva permanece fechado na iminência da sua própria razão ou dos seus sentimentos”.
O gnosticismo não pode transcender. A diferença entre a transcendência cristã e qualquer forma de espiritualismo agnóstico está no mistério da encarnação. Não colocar em prática, não levar a Palavra à realidade, significa construir sobre a areia, permanecer na pura ideia e degenerar em intimismos que não dão frutos, que tornam estéreis o seu dinamismo”.
O terceiro ponto destaca o desejo humano de salvação.
Toda pessoa, a seu modo, procura a felicidade e tenta alcançá-la recorrendo aos meios disponíveis. Com frequência, tal desejo coincide com a esperança da saúde física, às vezes assume a forma de ansiedade por um maior bem-estar econômico, mais difusamente expressa-se através da necessidade de uma paz interior e de uma convivência pacífica com o próximo.
A salvação plena da pessoa – evidencia o texto -, não consiste nas coisas que o homem poderia obter por si mesmo, como o ter ou o bem-estar material, a ciência ou a técnica, o poder ou a influência sobre os outros, a boa fama ou a auto-realização. “A vocação última de todos os homens é realmente uma só, a divina”.
O quarto ponto: Cristo, Salvador e Salvação
Segundo o Evangelho, - sublinha o documento -, a salvação para todos os povos começa com o acolhimento de Jesus: “Hoje veio a salvação a esta casa” (Lc 19,9). A Boa Nova da salvação tem um nome e um rosto: Jesus Cristo, Filho de Deus Salvador. “No início do ser cristão, não há uma decisão ética ou uma grande ideia, mas o encontro com um acontecimento, com uma Pessoa que dá à vida um novo horizonte e, desta forma, o rumo decisivo”.
Para responder, quer seja ao reducionismo individualista da tendência pelagiana, quer seja ao reducionismo neo-gnóstico que promete uma libertação interior, é necessário recordar o modo como Jesus é Salvador. Ele não se limitou a mostrar-nos o caminho para encontrar Deus, isto é, um caminho que poderemos percorrer por nós mesmos, obedecendo às suas palavras e imitando o seu exemplo. Cristo, todavia, para abri-nos a porta da libertação, tornou-se Ele mesmo o caminho: “Eu sou o caminho” (Jo 14,6).
Quinto ponto: A salvação na Igreja, corpo de Cristo
O documento deixa claro que “o lugar onde recebemos a salvação trazida por Jesus é a Igreja”. A Igreja é uma comunidade visível: nela tocamos a carne de Jesus, de maneira singular nos irmãos mais pobres e sofredores. Evidencia ainda que a participação, na Igreja, à nova ordem de relações inauguradas por Jesus realiza-se por meio dos sacramentos, entre eles, o Batismo que é a porta, e a Eucaristia que é fonte e culmine.
Já na conclusão da Carta sublinha-se que a consciência da vida plena, na qual Jesus Salvador nos introduz, impulsiona os cristãos à missão de proclamar a todos os homens a alegria e a luz do Evangelho. Fala-se da necessidade de se estabelecer um diálogo sincero e construtivo com os crentes de outras religiões e que a salvação integral, da alma e do corpo, é o destino final ao qual Deus chama todos os homens.
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Dom Orani João Tempesta comenta a Carta 'Placuit Deo'
A Carta retoma o início da Dei Verbum ratificando o caminho da salvação em Cristo que deve ser sempre aprofundado e que na realidade hodierna torna-se de difícil compreensão diante das transformações culturais, escreve o cardeal arcebispo do Rio de Janeiro.
Cidade do Vaticano - A Congregação para a Doutrina da Fé publicou esta quinta-feira, 1°/03, a Carta Apostólica Placuit Deo. O cardeal arcebispo do Rio de Janeiro, Dom Orani João Tempesta, comenta alguns aspectos do documento:
"Uma breve carta dirigida aos bispos, aprovada pelo Papa Francisco aos 16 de fevereiro de 2018, oriunda da Sessão Plenária da Congregação da Doutrina da Fé no dia 24 de janeiro de 2018, e, assinada na Sede da Congregação aos 22 de fevereiro de 2018, publicada nesta quinta-feira, dia 1º de março de 2018, contendo sete laudas que subdividida em seis tópicos, com 15 parágrafos numéricos, incluindo a Introdução; O impacto das transformações culturais de hoje sobre o significado da salvação cristã; O desejo humano de salvação; Cristo, Salvador e Salvação; a salvação na Igreja, corpo de Cristo e concluindo com o Comunicar a fé, esperando o Salvador. 
A Carta retoma o início da Dei Verbum ratificando o caminho da salvação em Cristo que deve ser sempre aprofundado e que na realidade hodierna torna-se de difícil compreensão diante das transformações culturais.
No segundo tópico, com três parágrafos, a realidade se apresenta por meio do «individualismo centrado no sujeito autônomo» , cuja a figura de Cristo corresponde a um modelo para prática da generosidade em gestos e palavras, mas não da transformação da condição humana, configurada na Trindade. Também apresenta uma salvação apenas interior e não de relações com os demais e com o mundo criado. Assim a Encarnação do Verbo se torna algo cada vez menos compreensível, distanciando-se da família humana e da história.
No Magistério Ordinário do Papa Francisco menciona duas tendências ou desvios, semelhando-se, em linhas gerais comuns, a heresias antigas: pelagianismo  e gnosticismo . Espelhando um neo-pelagianismo o homem atual, autônomo, salva-se sozinho, independente de Deus e dos demais, tudo depende de suas forças individuais e cegando « novidade do Espírito de Deus» . Já o neo-gnosticismo oferece uma salvação subjetiva, «com o intelecto para além da carne de Jesus rumo aos mistérios da divindade desconhecida». 
Libertando, pois, a pessoa do corpo e do mundo material. Esses erros antigos têm algo de familiar com os atuais movimentos, apesar das diferenças do contexto histórico. As duas tendências — o individualismo neo-pelagiano e o desprezo neo-gnóstico do corpo — desconfiguram a fé em Cristo . A salvação é a nossa união com Cristo Encarnado, Irmão Maior, que viveu, sofreu, morreu e ressuscitou, proporcionando nova ordem relacional com o Pai e entre os homens e mulheres, levando-nos ao dom de seu Espírito.
O homem, na ânsia de saber quem é, pois existe, busca a felicidade utilizando-se de meios diversos para alcança-la. No entanto, a felicidade se mescla com a esperança da saúde física, com o bem-estar financeiro, de uma paz interior e convivência pacífica com o outro. A par disso, o desejo de salvação torna-se um compromisso frente um bem maior, marcado pela resistência e superação da dor, levando-nos a lutar pelo bem, defendendo-nos do mal .
«A vocação última de todos os homens é realmente uma só, a divina».  A plenitude da Salvação é o rejeitar a autossuficiência humana, pensando que coisas e bens materiais lhe proporcionaram a autorrealização . A revelação é algo mais, pois «Se a redenção, ao contrário, devesse ser julgada ou medida pela necessidade existencial dos seres humanos, como poderíamos evitar a suspeita de termos simplesmente criado um Deus-Redentor à imagem de nossas próprias necessidades?» . 
O mundo todo é bom, biblicamente falando! O mal nasce no coração do homem que se fecha em si mesmo, separando-se da fonte de comunhão e vida que é Deus . A fé nos leva a uma salvação do homem todo, da pessoa humana inteira que é chamada a ter vida e vida plena .
Deus nunca desiste do homem e na história da salvação vemos desde Adão esta fidelidade e o insistir terno de uma aliança que nós rompemos constantemente. O homem cai, Deus vem e o ajuda a levantar uma, duas, três e quantas vezes, for necessário. Deus não desistindo de nós, na plenitude dos tempos, nos envia Jesus que anuncia o Reino e ao acolhê-l’O, acolhemos a Salvação .
Tradicionalmente a Salvação sempre se dá por iniciativa e dom de Deus, ou seja, de forma descendente. Com Jesus, dar-se-á numa dinâmica inversa, de forma ascendente. O agir não será de uma maneira individualista, mas sempre em comunhão, uma vez que agir humano e agir divino se coadunam para um único fim: a salvação. Assemelhando-nos a Cristo, impulsionados pelo Espírito Santo, realizamos as obras do Criador .
Em Jesus Encarnado, O Filho nos faz filhos e irmãos uns dos outros, tornando-nos uma só família humana numa nova relação com Deus. Porquanto, Jesus Encarnado possibilita a mediação concreta da salvação de Deus com os filhos de Adão .
Enfim, nem reducionismo individualista da tendência pelagiana e nem reducionismo neo-gnóstico que promete uma libertação interior , respondem a salvação, uma vez que Jesus é Salvador e Salvação, e «em certo modo, o princípio de toda graça segundo a humanidade». 
Igreja é o local da salvação trazida por Jesus. A Igreja é mediadora da salvação, «sacramento universal de salvação»,  garantindo que a realização se dá na comunhão de pessoas em comunhão com a Trindade . Através do Batismo entramos na vereda da Salvação. Podendo crescer sempre mais com a Eucaristia, fonte e cume do amor. E mesmo caindo podemos ser regenerados e reconciliados com o Pai e os irmãos, por meio do sacramento da Penitência .
Esta economia soteriológica dos sacramentos compreende o corpo humano, que longe de ser peso, torna-se linguagem sacramental. Na encanação de Jesus e no mistério pascal perpetua-se a obra de misericórdia do Pai para com os filhos , compadecendo dos sofrimentos destes.
«A salvação integral, da alma e do corpo, é o destino final ao qual Deus chama todos os homens» . Conscientes da vida plena somos impulsionados e nos comprometemos a proclamar a todos com alegria e luz a Boa-Nova: o Evangelho! Para tanto é mister uma relação dialógica, construtiva com as demais religiões, pois Deus opera em todos, de boa vontade, mesmo que veladamente. O último inimigo a ser vencido é a morte. Com as virtudes teologais – fé, esperança e caridade – e o exemplo de Maria e das Testemunhas cremos que somos cidadãos dos céus e gozaremos da glória eterna .
Vamos aprofundar o texto, deixar que ele ilumine a nossa realidade de hoje e consequentemente colocar em prática esta importante carta da Congregação para a Doutrina da Fé e que, mesmo diante das mudanças sociais, a salvação seja sempre anunciada e oferecida para que muitas pessoas continuem enamoradas pelo Divino Redentor.
                                                                                   Orani João, Cardeal Tempesta, O.Cist.
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